Juliane Daiana Bauer - 2019/2
Não era uma simples poltrona de tecido azul, era uma poltrona azul-petróleo reclinável de vovô, a poltrona do vô Henrique. A poltrona azul-petróleo se localizava no canto esquerdo ao fundo da sala, de um lado dela ficava um sofá de dois lugares e na frente dela ficavam duas poltronas, as quais estavam de frente para a cadeira de balanço da minha vó. Por ser o fundo da sala, o certo é que fosse um canto esquecido, mas não, meu vô trazia vida para aquele lugar e para aquela poltrona.
Todos os dias tomava café enquanto jantava, e, quando sua xícara estava pela metade, ele levantava e ia sentar em sua poltrona, tomando o resto do café e assistindo ao Jornal Nacional. Lembro que todas as vezes que eu ia dormir na casa dos meus avós não podia sentar naquela poltrona, porque era o lugar do vô. Eu cresci com essa imagem e a vi acontecendo por 10 anos seguidos, até meu avô falecer e a sensação de olhar para aquela poltrona vazia me parecer horrível. Lembro da minha avó me contando que na noite antes de sua morte ele sentou na poltrona e falou tudo que ele queria que acontecesse depois que ele partisse, em relação ao testamento e ao que ele desejava para a vida dela, sua companheira por 48 anos. O detalhe é que ele não tinha nenhum problema de saúde e morreu com um infarto, ou seja, não tinha nenhum indício de que a morte dele estava próxima.
Minha vó deu a poltrona para minha mãe colocar na nossa casa, porque ela não aguentava ver aquela poltrona e não ver ele nela, porém até hoje eu sinto que existe um vazio naquele canto da casa que só ele preenchia. Eu não consigo sentar na poltrona, embora agora ninguém esteja me proibindo de usá-la, e, mesmo a poltrona não estando na casa da minha avó, consigo ver meu vô sentado nela todos os dias na sala da minha casa. Penso que, ao sentar na poltrona, eu estarei roubando o lugar que pertencia ao meu avô, consequentemente, a imagem do meu avô sentado nela vai se perder e, ao esquecer disso, eu vou perder mais um pouco dele. Talvez eu esteja com dificuldade de aceitar que ele não vai mais voltar e que a memória de tudo que eu tinha dele um dia irá sumir.
O ser humano, às vezes, tem a mania de achar que nunca vai perder alguém que ama. Talvez aceitar que alguém não vai estar para sempre com a gente seja muito difícil, e o jeito de manter essa pessoa presente em nossas vidas é se apegar a algo relacionado a ela. Todo mundo tem um objeto que faça lembrar de alguém, presente ou não em sua vida: o anel dado pelo primeiro namorado; a roupa da sua irmã que você usou tanto que já virou sua; o brinquedo que você levava para a escola e que fazia seus colegas interagirem com você; assim como o livrinho que sua mãe te deu quando você levou sua primeira injeção, porque ela achava que você merecia um agrado depois de tanto sofrimento. Talvez simples objetos não sejam simples, pode ser que eles tenham um significado maior, como mostrar o quanto uma pessoa foi importante na sua vida, e que talvez você não consiga desvencilhar a imagem da pessoa desse objeto pelo simples medo dela cair no esquecimento, no seu esquecimento.
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