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Da Escrita à Voz

Pra sempre ou só por 10 anos?

Atualizado: 26 de set. de 2019

Luiza Frascá Quintiliano

2019/2


Além dos amigos que você faz na faculdade, já me disseram que as amizades mais duradouras e confiáveis são aquelas de infância. Que se você conheceu uma pessoa quando criança e a convivência aumentou com os anos, certamente é amizade pra vida toda. Mas, ainda que esses laços carreguem apego nostálgico, a realidade do amadurecimento deixa claro que mudanças são naturais, e até necessárias.

Minha avó morava em um prédio que, por mais que fosse muito antigo, tinha muitas crianças por lá. Eu vivi minha infância inteira naquele lugar, todos os dias saía da escola e ia para lá direto assistir desenho na TV a cabo que não tinha em casa, além de encontrar com qualquer criança e brincar de esconde-esconde no térreo. Foi perto de completar apenas seis anos que conheci o que era amizade. Ela tinha os olhos da cor de jabuticaba que pareciam gigantes por conta das lentes de 5 graus em seus óculos, pele tão pálida que aparentava sempre estar doente e os cabelos castanhos claros com cachos tão volumosos que pareciam diminuir seu rosto. O nome dela era Laura. A partir daquele dia, nos tornamos inseparáveis: brincávamos o tempo todo, assistíamos desenhos, jogávamos Mario Kart no Nintendo 64, descíamos no térreo do prédio para brincar de pega-pega, dormíamos na casa uma da outra sempre que possível e dividíamos todos os nossos interesses. Isso todos os dias, nunca cansávamos de estar juntas.

E foi assim pelos próximos dez anos. Era muito boa a sensação de ter alguém para passar o tempo ou para compartilhar os segredos insignificantes da pré-adolescência. Crescer com uma amizade fixa me deixou confortável para compartilhar todos os míseros detalhes da minha vida e me possibilitou a ser eu mesma. Eu não precisava segurar minha risada pateticamente alta, não precisava fingir que gostava de alguma música ou algum filme só para agradar, não precisava dizer que gostava de uma roupa quando ela pedia minha opinião e muito menos esconder quando ela fazia algo que me magoava. Foram dez longos anos que vivemos a melhor versão de nós mesmas ao lado da outra. Passamos das brincadeiras de barbie para os problemas de auto-estima por conta das espinhas nascendo e das preocupações com primeiras desilusões amorosas.

O que eu posso dizer agora é que simplesmente a vida aconteceu. Aquela amizade que me dava a sensação de que nunca deixaria de fazer parte de mim, deixou. Nossos gostos em comum foram desaparecendo com o surgimento de novas amizades, nossos segredos insignificantes e nossos hábitos do cotidiano foram pouco a pouco deixando de ser compartilhados a ponto de não conhecermos mais a outra e cada uma foi pra uma cidade diferente recomeçar uma vida que a outra já não tinha a mínima noção sobre. Foi vendo o afastamento inconsciente da melhor amiga que já tive, que percebi que talvez nossa natureza seja nos conduzir a constantes mudanças, e isso também inclui nossos laços. E com o nosso amadurecimento, eventualmente tudo acaba sendo substituível.

É difícil pensar que amigos que costumavam saber todos os seus pontos fracos como o fato de que você chora assistindo algum filme da Disney ou que você treme igual um Pinscher quando fala em público podem se transformar em meros conhecidos que você conversa ocasionalmente a cada seis meses para perguntar como anda a vida. Mas talvez as pessoas possuam a função de ir e vir da sua vida, independentemente da intimidade. Você faz amigos inseparáveis novamente que naturalmente vão se afastando e apresentando suas personalidades em outros lugares, para outras pessoas, e você já consegue entender que está tudo bem, que você vai achar outros amigos.

De repente, você para de dormir na casa da sua melhor amiga, você para de se encontrar com ela pra jogar conversa fora. Talvez você não queira mais repetir aquele diálogo fútil sobre como a fulana engordou ou quantas pessoas ela beijou na festa no sábado passado. Pode ser que agora você queira falar sobre literatura brasileira ou língua estrangeira com quem tenha o mesmo fascínio. Os interesses e as pessoas mudam, e talvez essa seja a condição de viver, de fazer e desfazer laços. Você ainda pode ter amigos pro resto da vida, ou pode ser só uma fase. Um breve instante.

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